quarta-feira, 20 de março de 2019

O Grammy e o boicote a vitória de artistas negros


Descrição para cegos: A imagem mostra um gramofone sob o nome The Grammys no centro da imagem enquanto ocorre uma chuva dourada de faíscas. Fotohttp://atdigital.com.br/blognroll/2018/01/grammy-2018-veja-os-clipes-indicados-a-categoria-melhor-clip/
Por Rorion


       Em seu histórico embranquecido, tanto de vencedores quanto de banca avaliadora, o Grammy se estabelece enquanto o maior prémio da musica mundial. Carregado de grande credibilidade, a estatueta em forma de gramofone traz consigo um caráter de elite ao atribuir status aqueles que o possuem.

       Como a maioria das premiações, nem sempre os resultados agradam o grande público, seja por que acreditam que uma canção foi mais tocada no radio do que outra, ou simplesmente preferência pessoal. Para além de questões individuais, a cerimônia possui um histórico racista e privilegiador.
       Dividido em diversas categorias, que variam entre música gospel e o pop, a bancada do grammy premia os melhores do ano e oferece a oportunidade para seus concorrentes de performarem seus respectivos sucessos. Esse é um dos primeiros pontos de crítica a essa premiação, possuidora de categorias onde artistas negros são majoritariamente indicados, como nichos de Rap/HipHop e R&B/Soul, até musica urban contemporânea. Com recorrência nesses gêneros, artistas negros em geral senão esnobados, esquentam assento durante a premiação. Historicamente, apesar da aclamação e vendagem de diversas obras, as categorias principais são negadas a esses artistas.
       As categorias se diferem em seus modos de avaliação de acordo com o que elas se propõe a premiar. Na categoria de música de ano, por exemplo, analisam a performance comercial e seu impacto na cultura durante o periodo de divulgação. No entanto, esses critérios costumam aparentar alterações quando existem concorrentes de mais de uma raça ou etnia nas categorias. Quando essas  injustiças são denunciadas, questões como a vendagens dos discos e a quantidade de colaboradores no processo de criação são colocadas em cheque, mesmo quando nao são pontos avaliativos da categoria.
       Com 61 edições, a premiação televisionada anualmente pela CBN consegue se destacar não somente por suas grandes apresentações, mas também por suas injustiças. Se fazendo machista e racista, boicota artistas que fogem do padrão da bancada avaliadora, que após críticas semelhantes ao Oscar, tenta diversificar seus componentes para além do homem branco, hétero e cisgênero.
       Para a Recording Academy os prêmios principais se dividem em: álbum, canção e gravação do ano e artista revelação. A diversidade entre os ganhadores desse quarteto é mínina, tendo diante de todas suas edições apenas 11 artistas negros entre os vencedores de álbum do ano. O questionamento: “mas eles mereciam?”; apesar de retórico, é frequentemente feito por pessoas que não costumam se atentar a tais problemáticas. No entanto, artistas negros de diversos gêneros costumam receber múltiplas indicações, que costumam ser resultado de trabalhos aclamados pelo público e pela critica especializada, mas acabam não vencendo nenhuma categoria. 
       Rihanna e Kanye West, grandes nomes da indústria musical atual são exemplos disso. Na 59ª edição da premiação, no ano de 2017, receberam oito indicações cada, mas no final da noite saíram de mãos vazias. A midiatização gerada por esse assunto é advinda das grandes plataformas de comunicação, como Instagram e Twitter. Contudo, artistas como Michael Jackson e Nina Simone – que diga-se de passagem nunca recebeu um gramofone em vida – sofreram durante suas carreiras fortes boicotes e pouca explanação pública sobre.
Descrição para cegos: a foto mostra o cantor Michael Jackson deitado lateralmente vestindo um terno branco com as pernas abertas e um filhote de tigre apoiado no seu joelho direito. Foto: http://alucinada50.blogspot.com/2013/02/josh-freeman-vestido-como-michael.html

       Apesar de ser considerado ‘Rei do Pop’, o álbum Thriller (1982), de Michael,  tido como um dos marcos da história da industria fonográfica, seria mais um dos trabalhos ignorados pelo grammy se não fosse sua performance nas vendas. Em onze de maio de 2017, Thriller ganhou o título de álbum mais vendidos da história, com sessenta e seis milhões de cópias comercializadas no mundo de acordo com Guinnes Book. O cantor, enquanto homem negro de sucesso, não agradava a premiação, sendo esnobado juntamente com seus irmãos durante todo o período do quinteto Jackson5.
       Artistas que costumam se politizar e transmitir suas revoltas e anseios em obras são o principal alvo de boicote da premiação. Nina Simone, como uma ativista histórica filiou-se a movimentos políticos durante o período dos direitos civis dos negros  nos Estados Unidos e enxergava sua música como um canal de articulação das lutas sociais. Simone foi responsável por músicas memoráveis do período da militância, como Mississipi Goddam, mostrado no seu documentário What happened Miss Simone?. Apesar da importância de seus posicionamentos, foi fortemente ignorada e boicotada por premiações. Kendrick Lamar e Beyoncé, são exemplos atuais dessa injustiça em níveis diferentes da intérprete de Feelin’ Good.
Descrição para cegos: da esquerda para a direita: a cantora beyonce canta. Ao seu lado, apoia o braço esquerdo sob os ombros do rapper kendrick lamar. Foto: Kevin Winter/BET/Getty Images for BET.

       Com o To Pimp a Butterfly e o Lemonade, esses dois artistas respectivamente entregaram seus trabalhos mais políticos. Kendrick, com criticas que denunciam o assassinato  do povo negro. Já Beyoncé no seu album-visual traz o enaltecimento da cultura e da sua história, enquanto recita poemas da poetisa Warsan Shire sobre a vivência afetiva da mulher negra. Ambos perderam o prêmio de álbum do ano para artistas brancos. Adele, logo após ganhar a categoria, durante uma coletiva de imprensa questionou a bancada avaliativa da premiação: “O que mais Beyoncé terá de fazer para vencer o prêmio de álbum do ano?”; a fala feita pela artista causou burburinho na mídia e só ressalta o quanto a premiação falha na autocrítica e nos faz questionar se eles realmente se importam.  
       Respondendo a indagação com um trecho de uma carta aberta do cantor Frank Ocean,  que a partir do seu segundo álbum, decidiu se ausentar e não submeter seus trabalhos para avaliação. Ele critica o embranquecimento de seus concorrentes e vencedores, e que a excelência não é o suficiente quando se trata de artistas negros. Em seu pronunciamento, Frank critica a perda de To Pimp a Butterfly, na principal categoria: “Eu realmente andei assistindo a CBS durante essa época do ano para ver quem receberia a honra máxima, e sabem o que não é ‘bom para a TV’, caras? [Ver] ‘1989’ ganhando de To Pimp A Butterfly na categoria de álbum do ano. Sem comentários para um dos momentos mais ‘defeituosos’ que eu já vi na TV. [...] Use esse velho gramofone para ouvi-los de verdade, caras”. 
       Ao ser questionado pelas injustiças e o racismo, o presidente do Grammy, Neil Portnow, negou a existência de problemas raciais na avaliação e que o processo de escolha dos vencedores se faz muito subjetivamente: "Eu não penso que há um problema racial. É bom lembrar, não somos uma entidade corporativa, a academia tem 14 mil membros votantes. [...] Quando você vota em uma música — pelo menos da forma que eu entendo isso — é como se você vendasse seus olhos e apenas escutasse o conteúdo. O voto é baseado na forma que você reage a isso como um profissional e encontra excelência naquilo".
       Diante de toda essa situação é comum se perguntar quando esses mecanismos de opressão cessarão e premiações como essa deixarão de ser fator de aclamação para artistas enxergarem o sucesso de seu trabalho. A academia do Grammy tem muito o que mudar e diante de todas injustiças se mostram sempre ausentes para discussão. Artistas negros perdendo e sendo esnobados em lugares como esse vai além de preferência por cantor X e cantor Y, é reflexo do racismo estrutural que objetiva silenciar e reduzir pessoas negras. Uma frase dita pela rapper estadunidense Azelia Banks durante uma entrevista define bem a situação: “A cultura negra é popular, pessoas negras não são”.
       A rica contribuição da cultura negra na formação e popularização de ritmos que conhecemos hoje, como: reggae, blues, R&B, rock e outros, não reflete na ocupação de espaços e reconhecimento de artistas. É nosso dever trazer essas discussões à tona.
       A arte é plural e política. 


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