sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Sobre rejeições humanas e técnicas

Descrição para cegos: a imagem retrata a estudante Lilian Souza com um prédio ao fundo.
Um fato inusitado foi registrado em Salvador, na Bahia, no dia 15, envolvendo uma jornalista negra. Lília de Souza teve problemas para tirar a foto de renovação do passaporte por conta dos cabelos volumosos.
O problema teria surgido após horas de espera para renovação do documento no posto da Polícia Federal no Salvador Shopping. Funcionários da PF pediram que a jornalista amarrasse o cabelo para tirar a foto do passaporte. Segundo eles, o sistema rejeitaria o cabelo estilo "afro" da mulher de 34 anos.
Para Lília, a situação foi constrangedora, pois o sistema teria rejeitado sua maior identidade que, segundo ela, é seu cabelo estilo "black power". A jornalista ainda chegou a chorar do lado de fora do Serviço de Atendimento ao Cidadão (SAC) e disse não ter sofrido nenhum tratamento discriminatório por parte dos funcionários, apenas que o sistema a rejeitou e que sempre haverá um padrão, além do aparelho, que rejeita o que não é convencional.
A situação foi publicada por Lília Souza no Facebook e compartilhada mais de 400 vezes. A baiana ainda avalia se deve entrar com processo judicial por racismo.
Nos portais de notícia, a declaração do delegado Thiago Sena é de que o fato aconteceu por questões meramente técnicas. Segundo ele, um cabelo volumoso diminui o rosto do fotografado e o sistema eletrônico rejeita a fotografia. Policiais que trabalham no posto da PF do shopping em Salvador relataram à jornalista que a situação da rejeição do sistema por alguma característica era recorrente.
Ainda de acordo com a PF, o sistema eletrônico que fotografa as pessoas para a renovação do passaporte restringe fotografias que tenham cabelo solto, cabelo na frente dos olhos, cabelo muito volumoso, olho fechado, adornos diversos, ombros ou orelhas que não estejam visíveis, fotos desfocadas, dentre outros. Isso faz parte do padrão da Organização da Aviação Civil Internacional - OACI / ICAO.
O presidente da União de Negros Pela Igualdade, Edson França, considera este um fato isolado. Já o Coletivo Pretas Candangas, de Brasília, nota racismo na questão, pois argumenta que se o cabelo da jornalista fosse liso, este não seria rejeitado.
Análise
Toda a questão gira em torno do sistema eletrônico que rejeitou a aparição do cabelo "black power" da jornalista Lília Souza. Há quem veja preconceito, pois o padrão dos cabelos lisos é evidente no Brasil. Outros podem considerar que a situação se resume ao aspecto impessoal do aparelho usado para identificar os rostos.
Lembro-me que quando fui até a Prefeitura de Santa Rita fazer o título de eleitor, a funcionária falou-me que não eram aceitas de nenhum usuário fotografias com pessoas de boné, de brincos, testa coberta ou alguma outra característica que impedisse a aparição nítida do rosto. E essa triagem não era feita por nenhum aparelho eletrônico. Era uma determinação cumprida pessoalmente pelas servidoras da prefeitura.
Contudo, o caso da jornalista da Bahia pode ser esclarecido da seguinte forma: o aparelho rejeita cabelos volumosos de mulheres e homens de pele branca? Se sim, então a questão é realmente técnica. Se não, há racismo embutido num sistema que serve a um país racista enrustido.
Há de se considerar que o desabafo, choro e indignação de Lília Souza foi motivado pelas experiências racistas pelas quais ela já passou. E também sua revolta surge pela falta de paciência em que já se encontrava ao esperar cerca de sete horas para ser atendida no posto da PF.
Uma coisa é certa: racismo é racismo. E não pode ser ignorado. (Lucas Isídio)
Fontes

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