segunda-feira, 18 de março de 2019

Corra

Descrição para cegos: Foto do cantor de rap Djonga com uma afeição de susto em fundo avermelhado. Por cima do seu rosto está escrita a palavra corra e o seu nome. Há traços que formam nove retângulos na fotografia.


Por Iasmin Soares 

       Djonga, cantor mineiro, é um dos maiores nomes da cena do rap brasileiro. O artista ficou mais conhecido a partir do ano de 2016 quando lançou uma música intitulada “olho de tigre”. A partir daí sua carreira só foi crescendo, lançou dois álbuns e sempre é convidado para fazer participações em músicas de outros artistas.
       Para a análise,  foi escolhida a música “Corra” do seu segundo álbum (O menino que queria ser Deus).

Éramos milhões, até que vieram vilões
O ataque nosso não bastou
Fui de bastão, eles tinham a pólvora
Vi meu povo se apavorar (2ª estrofe)

       Nesse começo da música podemos observar o chão histórico em que os negros estão inseridos. Os europeus chegaram ao Brasil por volta dos anos 1500, se depararam com povos indígenas resistentes, mas em questão de armamento, incapazes de entrar em confronto com eles. Desde então os europeus tomaram tudo dos nativos. Primeiramente foram às terras, em segundo lugar foi a mão de obra - que consecutivamente escravizaram os povos indígenas - e em terceiro lugar se apropriaram da cultura.
       Esse processo não só aconteceu no continente americano como também na África. Entretanto, os “homens brancos” sequestravam milhares de pessoas da sua terra natal no continente Africano para servir de mão de obra escrava em suas colônias, diferentemente do processo que ocorreu com os índios brasileiros.
       No ano de 1530 os africanos chegaram ao Brasil para serem escravizados. Desde a viagem até a chegada ao país, os nativos da África passaram por diversos problemas, a começar por estupros até a separação de famílias. Durante o período de escravidão os negros foram proibidos de praticar as religiões dos seus países de origem, as mulheres negras tiveram seus corpos violados, crianças eram tiradas de suas mães para serem escravizadas, dentre outras atrocidades que o homem branco fez. E continua fazendo, só que hoje em dia de formas diferentes.

Eles são a resposta pra fome
Eles são o revólver que aponta
Vocês são a resposta porque tanto Einstein no morro morre e não desponta
Vocês são o meu medo na noite
Vocês são mentira bem contada
Vocês são a porra do sistema que vê mãe sofrendo e faz virar piada, porra (2ª estrofe)

       Nessa outra parte da música podemos enxergar outros pontos como o genocídio da população negra e a violência policial. Analisando dados do atlas da violência oferecido pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) jovens negros são as principais vítimas de homicídios no Brasil. Entre 2005 e 2015 a taxa de assassinatos de jovens negros aumentou 18,2%, enquanto que essa taxa foi 12,5% para assassinatos de jovens brancos. O estado é o responsável pelo genocídio da população negra. Na época de escravidão e logo após seu fim esse massacre ocorria de duas formas, o genocídio de fato no qual os senhores escravizavam até a morte impedindo os negros de ter condições dignas de sobrevivência; a outra forma era o embranquecimeto da população negra visto como uma forma de genocídio pelo pesquisador Abdias Nascimento. Um exemplo, seria a imigração em massa de europeus no começo do século XX.
       Hoje em dia o genocídio da população negra é feito de forma mais silenciosa, mascarado por discursos do estado embasados em falsas verdades, como exemplo acabar a criminalidade. A violência policial surge como um dos mecanismos do genocídio da população negra, a polícia brasileira é a que mais mata em todo mundo. O racismo faz um policial confundir um caderno com um fuzil, faz com que ele faça abordagens indevidas e muito gravemente leva inocentes presos só porque são negros. Analisando dados do relatório divulgado pela organização Anistia Internacional, na zona norte do Rio de janeiro, entre as vítimas da violência policial no estado, durante os anos de 2010 a 2013, quase 80% das vítimas eram negras e três em cada quatro eram jovens.

Amor, olha o que fizeram com nosso povo
Amor, esse é o sangue da nossa gente
Amor, olha a revolta do nosso povo (refrão)

       Já no refrão podemos observar que a música é uma conversa entre um casal negro, ambos discutindo o racismo estrutural.

Pra eles nota seis é muito
Pra nós nota dez ainda é pouco
Pros meus qualquer grana é o mundo
Pros deles qualquer grana é troco (4ª estrofe)

       Nesses versos, Djonga traz a tona o atraso histórico que a escravidão causou a população negra brasileira. A lei áurea completou 130 anos em 2018,  entretanto quase nada mudou, pessoas negras ainda são os trabalhadores que ganham menos, são os que morrem mais e os que a todo momento estão com medo de passar por alguma situação de racismo. Mesmo tendo as melhores notas um estudante negro precisa provar a todo o momento como ele é inteligente e como ele é capaz. O povo negro quer a glória, quer tudo o que lhe foi roubado.

Aquela noite eu te ensinei coisas sobre o amor
Durante o dia eu só tinha vivido o ódio [...]
[...] Existirei pra fazer tu sorrir, amor
Sou seu colete à prova de balas
Seu ouvido à prova de falas
Eu vou tomar nosso mundo de volta (4ª estrofe)

        Nos versos acima é possível notar o amor preto como enfoque. Como já foi dito durante a análise, a música é um diálogo entre um casal, que vai expondo os episódios que o povo negro passou e vem passando. O amor preto surge como uma forma de um entender o outro e como uma pessoa do relacionamento dá apoio à outra para lutar contra o racismo que ambos conhecem bem.
        Djonga, sempre foi um artista politizado. É possível notar esse fato em outras músicas de sua autoria, desde o início da sua carreira. Hoje o cantor é o principal nome do rap atual e ainda vai fazer muito barulho na cena. 

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