terça-feira, 9 de abril de 2019

Comunidades quilombolas existem e são mais do que os seus estereótipos

Descrição para cegos: a imagem mostra um grupo de pessoas dançando. Algumas segurando uma saia longa florida fazendo movimentos circulares e dois meninos tocando tambor, instrumento de percussão muito usado na musicalidade africana.




Por Michelly Santos


        A falta de conhecimento acerca de etnias faz com que muitas pessoas criem estereótipos e acabe marginalizando certos grupos na sociedade. Essa questão permanece para além do tempo e circula em tudo que ainda é desconhecido, causando preconceitos e descriminação. Com as comunidades quilombolas não seria diferente.

        Muitos apenas ouvem e veem sobre os quilombos em contexto escolar. Em uma forma didaticamente massiva e arrastada, nas poucas páginas, disponíveis nos livros de história, são contadas de forma engessada e sem ser aprofundada, no que realmente essas comunidades significaram na época e no que simbolizam até hoje.

       Tais formas de desinformação nos trazem atualmente, infelizmente, comentários lamentáveis da autoridade máxima no nosso país. Como foi proferido, alguns anos atrás, pelo atual presidente da república brasileira, Jair Bolsonaro. Prefiro não repetir o que foi dito, pois essa reportagem não será inflamada com atos que ferem os direitos humanos, desse povo, mas tem como objetivo desmistificar e por em palavras, a resistência que se fez e faz presente nos quilombos.

        É muito difícil imaginar o quão perverso foi o tempo da escravidão no mundo e no Brasil. Pessoas foram tiradas de seu pertencer enquanto ser humano e transformadas em produto. É forte e absurdo demais pensar que o preconceito pela cor da pele e pelos traços negróides ultrapassaram o tempo e se fazem presente hoje na nossa sociedade. Essas características tiraram o povo africano e toda sua ancestralidade de suas terras para outras.

       É necessário principalmente, em tempos incertos, como o que vivemos-que descarta o passado, a busca pelo pertencimento, como ato político, cultural e social- trazer conhecimento e lugar de fala para os que vivem e são frutos de toda essa história.

       O povo quilombola existe e resiste desde o Brasil colônia. Zumbi dos Palmares e Dandara se fazem presente em cada um dos quilombos espalhados pelo território brasileiro. Existe como forma de sobrevivência em meio à escravidão e resistem pelas perseguições incalculáveis sofridas até hoje.


Religiosidade

       As marcas deixadas pelo eurocentrismo e, os danos acometidos para essas pessoas foram tão fortes que desvincularam muitas das características que os constituíam enquanto comunidade. A religiosidade nos quilombos foi levada já com mesclas do cristianismo.

       Maria Janaína Santos, mulher negra, mestra em serviços sociais e Secretaria de Estado da Mulher e Diversidade Humana, cresceu no Quilombo do Talhado, no município de Santa Luzia, no estado da Paraíba diz que: “As comunidades quilombolas não têm uma predominância das Religiões de Matrizes Africanas; como o Candomblé,a Umbanda e a Jurema. Essas comunidades perderam a ciência dessas religiões no decorrer de sua formação.”

       A influência da Igreja Católica e tudo que integrava a classe dominante branca fez com que as questões religiosas fossem configuradas, bem como a cultura, política e o social. Esse contexto se apresentava mesmo antes das formações dos quilombos, ressaltou Janaína.

“Existem pessoas da comunidade que cultuam os deuses, cultuam os Orixás, mas não dentro da comunidade. Eu não tenho conhecimento de terreiro, nas quarenta comunidades quilombolas, do estado da Paraíba certificadas, embora existam quilombolas que sejam de religiões de matriz africana.”

       É importante salientar que Janaína falou no contexto paraibano, o qual ela possui propriedade, pois ela é quilombola e tem ciência das questões quilombolas, no estado. Contudo, existem diversas comunidades espalhadas no Brasil, dessa forma, pode haver outras configurações de religiosidade dentro deles.


O estereótipo sempre vem por causa da cor

       O preconceito racial seja ele estrutural ou da forma mais descarada possível, é sempre o que circunda os pontos de criminalização e marginalização do povo negro. A história não seria diferente com a população quilombola.


“Quando ocorre algo ruim na cidade em que esse quilombo pertence, geralmente é associado essa coisa ruim àquelas pessoas. Por exemplo, quando ocorre algum roubo, furto ou algo do gênero, a comunidade do talhado nem estava envolvido nisso, mas sempre eram taxados de: isso deve ser coisa dos negros do Talhado.” Diz Janaína sobre o clássico estereótipo vinculados ao lugar de onde veio. 




Descrição para cegos: a imagem mostra um grupo de pessoas dançando. Algumas segurando uma saia longa florida fazendo movimentos circulares e dois meninos tocando tambor, instrumento de percussão muito usado na musicalidade africana. 

       A cultura de subsistência que permite a plantação da própria comida e o comercio dos alimentos, a vida na roça e o jeito de viver são o que levam algumas pessoas a dizerem que essas comunidades não trabalham. Comentários como esses vêm da desinformação e de uma visão turva do que seria trabalho.


Do meio rural para o urbano

        Muitos se enganam em pensar que as configurações foram totalmente mudadas pelo o motivo de alguns quilombolas terem saído do meio rural e construído os quilombos urbanos. Os ares podem ter mudado, o ambiente e as pessoas ao redor, mas a identidade é mantida por meio da ancestralidade que corre nas veias.

Descrição para cegos: A imagem mostra quilombolas colhendo alguns grãos. São homens e mulheres trabalhando no campo. 

         A cultura de subsistência do rural e toda forma de vida nesse meio não mais continua, pela impossibilidade que o asfalto interpõe. Porém. Alguns aprendizados obtidos nas comunidades oriundas foram transportadas para a cidade. O modo artesanal de fazer os utensílios permaneceu. As panelas de barro são produzidas por mulheres que deixaram apenas fisicamente os quilombos rurais, mas a forma de sobrevivência continua as que foram aprendidas anteriormente.

        Se reconhecer como grupo, e o genuíno pertencimento a terra, também transpassa o ambiente vívido que fora substituído pelo concreto. Continuam vivendo um perto do outro, mantendo os laços criados desde o princípio. Quilombo é sinônimo de resistência, luta e acolhimento, local onde o povo negro que fora escravizado, encontrava liberdade para ser e sentir pertencimento de sua cultura. Os africanos e afrodescendentes fugiam das fazendas e se refugiavam nesses locais, tornando assim em redes de apoio em uma situação de vulnerabilidade física, emocional e cultura.

















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