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Descrição para cegos: a imagem em fundo preto traz a hashtag #SayNoToRacism destacada em letras brancas (tradução: DigaNãoAoRacismo). |
Foto: Thais Vital
A
campanha da FIFA nesta copa no Brasil teve como foco o racismo no futebol. Em
todos os jogos a faixa com a frase “Say no to racism” foi erguida. É louvável a
iniciativa de que num evento mundial esse tema ganhe destaque. O problema é que
nada foi feito efetivamente para evitar esse tipo de violência nem para
disseminar a cultura afro-brasileira. É sobre essa campanha feita somente “pra
inglês ver” que o texto extraído do Portal Geledés fala. (Thais Vital)
Dentro de campo a Copa do Mundo é um
sucesso. Elevada média de gols, partidas emocionantes, resultados inesperados.
Não vale a pena cair no ufanismo da “Copa das Copas”, mas é forçoso reconhecer
que o torneio tem nos brindado com um futebol de alto nível. Muito diferente
daquele que nos acostumamos a assistir no Campeonato Brasileiro e nos outros
torneios regionais, em que triunfa quem é menos medíocre.
Não bastasse o bom nível técnico, o
clima de festa que envolve a competição é outro fator que explica a empolgação
com o mundial de futebol. Pessoas de todo o mundo vêm ao Brasil ou, ao menos,
voltam suas atenções para o país.
Com todo esse clima favorável, talvez
não houvesse momento mais oportuno para fazer uma campanha contra o racismo e
outras formas de discriminação. Assim, a FIFA aproveitou o momento para
promover sua campanha “Diga não ao racismo”. Nos jogos das quartas-de-final, os
capitães das equipes leram uma mensagem que condena a discriminação racial, de
gênero e orientação sexual.
Vai ter copa X não vai ter copa
Tudo muito bonito. Até parece discurso
para o concurso de Miss Universo, em que as candidatas desejam a “paz mundial”.
Infelizmente, a beleza se restringe às palavras. A luta contra a discriminação,
lamentavelmente, é só para inglês ver.
O problema é que nem os ingleses estão
acreditando muito nisso. Em matéria do The Guardian, o jornalista Felipe Araújo
denuncia a ausência de rostos negros nos estádios. Em cinco cidades-sede –
Salvador, São Paulo, Rio, Fortaleza e Recife –, ele relata a experiência de se
sentir em um jogo do tipo “Onde está Wally?” No entanto, difícil de encontrar
não era o folclórico personagem de camisa listrada, mas sim os negros nas
arquibancadas.
É nesse tipo de situação que cai por
terra o mito da “democracia racial”, tão cultivado pelas nossas elites, que se
inspiraram na obra de Gilberto Freyre. O mito segundo o qual nós, brasileiros,
somos um povo tão miscigenado que não faz sentido falar em discriminação
racial. Tese difícil de sustentar diante do fenômeno que se vê nos nossos
estádios durante a Copa – ocupados majoritariamente pelos bem-nascidos
torcedores brasileiros que vão aos palcos do mundial mais para socializar,
tirar selfies e se ver no telão. Os jogos mesmo são mero detalhe.
O que essa “gentrificação” das arenas
durante o Mundial corrobora é a posição de Florestan Fernandes, ao analisar a
integração do negro na sociedade de classes no Brasil. Esse racismo velado,
silencioso e – por isso mesmo – ardiloso deixou a população negra às margens da
sociedade que ingressava definitivamente no capitalismo, na virada do século
XIX para o XX. A mão-de-obra imigrante é que ocupou as posições assalariadas e
se integrou à sociedade de classes. Aos negros, restou uma integração
problemática, relegados às posições mais subalternas, quando não totalmente
marginalizados. Tudo isso encoberto por um discurso de que “nós não somos
racistas”.
E as marcas dessa integração
problemática persistem até hoje. A ausência de torcedoras e torcedores negros
nos estádios é apenas a ponta do iceberg, o sintoma de um problema muito mais
grave. Uma mazela que se manifesta desde a desigualdade de renda até a forma
como são feitas as abordagens policiais de brancos e negros. O Relatório Anual
das Desigualdades Raciais no Brasil, elaborado pelo LAESER da UFRJ, compila uma
série de dados sobre as disparidades “causadas” pela cor de pele no Brasil.
Diante desse quadro, todas aquelas
belas palavras das ações contra o racismo parecem vazias, simples falatório. As
campanhas contra o comportamento xenofóbico, dentro e fora de campo, se resumem
a oportunidades de ganhar dinheiro, pagando uma de bom moço. Se a FIFA quisesse
mesmo combater esse mal que assombra o futebol – assim como toda a sociedade –
poderia estabelecer cotas raciais para o acesso aos ingressos. Isso mesmo. Se a
entidade máxima do futebol consegue segmentar a carga de ingressos por países,
por que não fazer o mesmo com relação à etnia?
Assim, quem sabe, não teríamos que
ficar brincando de “procurar o Wally” para encontrar uma negra ou um negro no
estádio de futebol. E, diga-se de passagem, não como funcionário da limpeza ou
da segurança. Mas como torcedora ou torcedor, apoiando seu time e desfrutando
de uma competição esportiva de alto nível. Aí sim, com estádios tomados por
gente de toda cor, de todos os credos, de todos os gêneros, de todas as
orientações sexuais e tudo mais; aí sim, poderíamos celebrar uma Copa livre da
discriminação e do racismo. Aí está a diferença entre dizer não ao racismo e
fazer alguma coisa contra ele.
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